quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Gente Se Acostuma....

Marina Colassanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e não ver vista que não sejam as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma e não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar, esquece da amplidão.

A gente se acostuma a acordar sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E não aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: “hoje não posso ir”. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto. 
A gente se acostuma a pagar por tudo o que se deseja e necessita. E a lutar para ganhar com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. 
A gente se acostuma a andar nas ruas e ver cartazes. A abrir as revistas e ler artigos. A ligar a televisão e assistir comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. 
A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e ao cheiro de cigarros. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam à luz natural. Às bactérias de água potável. À contaminação da água do mar. À morte lenta dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta por perto. 
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta lá.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua o resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem muito sono atrasado.
A gente se acostuma a não falar na aspereza para preservar a pele. Se acostuma para evitar sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Retirado de: http://textos_legais.sites.uol.com.br/a_gente_se_acostuma.htm



Realmente temos a tendência a nos acostumarmos com as coisas, somos acomodados por natureza. É claro que não dá para generalizar, mas em sua grande maioria as pessoas tendem a se acomodar na situação em que se encontram. Ainda hoje estava à assistir o repórter quando foi noticiado que bandidos tentaram assaltar a escolta do Governador, a reportagem falava que houve troca de tiros entre os dois supostos assaltantes e os agentes da escolta, então, chamou-me a atenção uma moradora que dizia morar no local há 55 anos e já se acostumou com esta situação: troca de tiros, tiros invadindo sua residência. Foi quando parei para analisar a situação. 
Nós não podemos permitir que estas coisas tornem-se rotineiras em nossas vidas, não podemos nos acostumar com o sofrimento. Se há uma pedrinha em nosso sapato, devemos tirá-la o mais rápido possível, pois, se ao percebermos que ela está incomodando nosso calcanhar e tomarmos a decisão de daqui a pouco eu paro para retirá-la, vamos acabar nos acostumarmos com a pedra no sapato, chegando ao ponto de nem mais a sentirmos.




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